Anos 70 Bahia – Episódio
31
Anos 70 Bahia lança a
provocação aos parceiros autores para que contem as suas aventuras da época.
Com certeza, muitos relatos deliciosos estão prontos para sair das gavetas e ser
degustados pelo público... Adiantamos alguns a seguir, para dar água na boca e
azeitar a imaginação e a vontade de contar histórias...
QUEIMANDO
A MORTALHA NA PRAÇA DO POETA
Cena inesquecível
aconteceu na manhã de uma quarta-feira de cinzas, quando resolvi queimar a
mortalha usada naquele carnaval. Uma ideia esdrúxula. Fiz um boneco de jornal
do meu tamanho e fui com Sérgio queimá-lo na Praça Castro Alves. Naquela hora
havia só os restos de carnaval, confetes e serpentinas pisoteados, poças de
urina, gente bêbada caída, garrafas quebradas e uma legião de lixeiros que,
virados como nós, procuravam devolver à cidade a cara do dia a dia como quem
retira a maquiagem. Mas, na hora que deitei o boneco no meio da Praça, molhei
de álcool e toquei fogo, houve um corre-corre medonho dos garis largando as
vassouras e os latões, gritando: “Foge que é ebó brabo!” Acho até que teve
gente embolando no santo diante do ocorrido. Poderia contar centenas de
histórias daquela época, mas fico por aqui para não me comprometer nem as
personagens envolvidas. Além do mais, a memória anda meio castigada e hoje
restam traços de lembrança, ainda que intensos. Acho que chamávamos isto
antigamente de “flash back”, putz que bandeira!!! (Fred Góes).
CAT
STEVENS ON THE ROCKS
Tudo era normal...
Carnaval de 75, saguão do Hotel da Bahia, um americano de cabelo curto e bigode
e cavanhaque, falando de música... e sendo rock, levo o maior papo com o cara e
seu amigo por um tempão, até o anúncio da saída do bloco lá da Cruz Vermelha,
Campo Grande. Mais tarde me encontro com ele na Piedade se saindo do calor do
sufoco do Bloco do Jacu, que parava sempre no Relógio de São Pedro... o cara
queria tomar uma "batida com bem gelo!" Fomos à luta, não achamos. E,
então, ‘scotch... com bem gelo...’ Fomos procurar e achamos um bar num beco
perto das Mercês, ficamos ali tomando ‘scotch com bem gelo...’ No fim, ele fez
questão de pagar e de lá foi para o hotel. Terminado o carnaval, vejo a
manchete com o retrato do gringo estampado na primeira página do jornal A
Tarde: ‘CAT STEVENS NA BAHIA’. E eu conhecia bem o cara pelas capas de
discos... mas com cabelo quase no ombro!” (Cláudio Portugal).
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Personagens 70 celebram no antológico Berro d'Água. Foto: arquivo pessoal Charles Pereira |
A
NUDEZ DE SANDETE
Quando o sol acabou de
sumir no horizonte vermelho e o negrume estrelado começou a crescer no lado do
mar (...), os malucos começaram a se juntar em volta do cone de palhas de
coqueiro. Cada qual com seu bongô, tambor, guitarra, atabaque ou sem nada nas
mãos. Talvez um cachimbinho de barro, desses da feira de São Joaquim. Todo
mundo tomado banho e – pasmo – quase todos vestidos. Roupas de hippie, é claro,
mas vestidos, limpos, alinhados. Até Sandete.
– Sandete, que imoralidade é esta? Você vestida? É um escândalo. Gente!!!
Ela usava um vestido bem curtinho, de saco de farinha de trigo. E colares coloridos.
– Calma, Tobi! Este vestido foi presente da Cris e só uso em dia de festa ou para ir a Salvador. É o único que tenho. Mas nem tudo está perdido. Não estou usando nada por baixo, olhe!
Levantou o vestido até a cabeça, comprovando o que dissera.
– Ah, tudo bem, cheguei a me assustar. (Beto Hoisel, Naquele tempo em Arembepe, pg. 16).
– Sandete, que imoralidade é esta? Você vestida? É um escândalo. Gente!!!
Ela usava um vestido bem curtinho, de saco de farinha de trigo. E colares coloridos.
– Calma, Tobi! Este vestido foi presente da Cris e só uso em dia de festa ou para ir a Salvador. É o único que tenho. Mas nem tudo está perdido. Não estou usando nada por baixo, olhe!
Levantou o vestido até a cabeça, comprovando o que dissera.
– Ah, tudo bem, cheguei a me assustar. (Beto Hoisel, Naquele tempo em Arembepe, pg. 16).
ANJOS DO CARNAVAL
Não tínhamos limite
naqueles anos de experimentação e desbunde. O carnaval era uma loucura, mas
ainda dava para sair tranquilo atrás dos trios elétricos, subindo e descendo as
ladeiras e as ruas iluminadas de alegria. Mal dormíamos! De manhã já estávamos
em grupo pelas ruas da Bahia e à noite pulávamos sem parar na Praça Castro
Alves. Assistíamos a saída do trio elétrico de Dodô e Osmar na sagrada colina,
ao som do hino do Senhor do Bonfim. De arrepiar!!! Uma destas vezes, bastante
purpurinadas e com vestidos curtos e pintados, para ir a um baile de carnaval,
já calibrados com balinhas lisérgicas, fomos parar em um show de Moraes Moreira
na Praça Municipal. De repente, percebi que estava em uma situação de perigo
total. Havia me perdido de todos na multidão que se aglomerava furiosamente em
frente ao palco e pulava e dançava sem parar. Eu era a única mulher, tentava me
desvencilhar, até que um anjo negro e poderoso me arrancou da confusão. (Graça Coutinho).
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A praça é do povo. Foto Antonio Neto |
SÍLVIO PALMEIRA – Este
show de Moraes Moreira a que Graça Coutinho se refere foi memorável em todos os
sentidos: foi o primeiro show dele dentro do Carnaval e foi a minha primeira
produção dentro do carnaval de Salvador junto à Bahiatursa. Moraes tinha o
corpo coberto de dourado, muito bem maquiado por Gilson Rodrigues. No ano
seguinte, tirei o trio elétrico Dodô e Osmar de cima do trio e o coloquei em um
palco montado em frente ao prédio do jornal A Tarde (na época), em plena Praça
Castro Alves.
Sobre a foto de um Gurgel
Igor
Coelho me pediu uma foto de Arembepe que não achei, mas me
fez lembrar de uma passagem... Saímos de Busca-Vida para um rolê em Arembepe.
Chegando lá, o pneu do Gurgel furou e não tínhamos o precioso macaco! Não me
lembro de ninguém ficar desesperado e, sim, das risadas. Dois solícitos
pescadores nos ajudaram. Um levantou o carro, como se levanta uma mesinha de
centro da Casa Bahia, e o outro lidou com os parafusos e trocou o pneu, tudo
isso diante de nós, uma plateia inteiramente embasbacada e boquiaberta!!! (Eva Cristina Freitas)
Lais Senna – Hoje, seriam todas assaltadas.
Ygor Coelho – Valeu! Vou registrar a história do AI 3726. Foi sorte ser só o
pneu porque, pelo jeito, a conservação do Gurgel não era das melhores. Até o
limpador estava despencado sobre o capô!
Eva Cristina Freitas – O Gurgel também era conhecido como "a máquina de
costura"... lembra do barulho que faziam, aquelas com pedal? Era igual...
Joviano Pinheiro
De Moura Neto – A gente sabe que fibra de
vidro é um pouco mais leve que a chaparia. Geralmente esses veículos têm
bagageiro pequeno e triângulo, macaco, quase sempre são relegados. Já passei
por situação semelhante com o bugre. Uma pergunta: será que os doidos
agradeceram a ajuda?
Gabriel Blasko – As boas lembranças é que ficam. Adoro os depoimentos que rolam
por aqui.
Joviano Pinheiro
De Moura Neto – É que o mundo não sabe que os
doidos se entendem.
Virgínia Miranda – A cara dos 70, kkkk... lembrei agora que íamos para a ilha,
atravessávamos de ferry e naturalmente pedíamos carona a qualquer
caminhoneiro... Íamos para Coroa, Berlinque... Eta tempo bom!!!
VATAPÁ
COLORE AS ÁGUAS DA BAÍA
Procissão do Senhor dos
Navegantes, em 1º de janeiro, de saveiro! Com Sueli Ribeiro na organização! E
um tal de vatapá que acabou nas águas da Baía de Todos os Santos! Foi a
diarréia de uns 50 navegantes, em consequência de um vatapá feito por uma
equipe de cozinheiros delirantes, até cachaça botaram na iguaria de dendê! Cena
dantesca, com dezenas de pessoas com as bundas de fora na borda do saveiro, num momento
de calmaria! O mar ficou amarelo-vatapá! Nem Fellini, ou mais adequado ao
estilo, Edgar Navarro poderiam imaginar tal cena escatológica!!! (Fátima Barreto).
TESTEMUNHA
OFICIAL
O lagartão foi
testemunha oficial dos nossos devaneios. Em um dos passeios no lagartão,
estacionamos na praia para dar uma “prise” em uma lança perfume, coqueluche da
época, e ficar curtindo a noite enluarada. O “motorista”, sentado na praia,
continuou dirigindo. Quando vimos, não acreditamos... (Graça Coutinho).
A
LISTA DE VINICIUS
Vinicius ia completar 60
anos no dia 19 de outubro (corria o ano de 1973) e a ideia de juntar essa data
com o nosso casamento fê-lo parecer um adolescente; era só alegria e ansiedade.
Como gostava de fazer em nossas festas, aprontou a lista de convidados, o que
servir, o apoio, enfim, envolveu-se de corpo e alma na organização. E
distribuiu o convite para meio mundo. (...) E combinamos que só Calá, Auta
Rosa, Jorge e Zélia Amado saberiam com antecipação do casamento, preparando,
assim, uma surpresa para os convidados. Mas ele não se continha e acabava
dizendo: “Venha de branco que vamos fazer, eu e minha amada, um casamento
cigano.” Para alguns ainda foi surpresa. Se você se encontra na lista [ver foto
do original, escrito pelas mãos do poeta] feita pelo noivo, tenha a certeza de
que é uma das pessoas com quem ele desejava compartilhar as alegrias do seu
“sessentenário” e casamento. (Gessy Gesse, Minha vida com o poeta, pg. 82).
NOTAS
SOBRE O CARNAVAL DE RUA
Vivemos intensamente os
anos 70: os verões, as festas de largo, os carnavais. Logo de início havia
ainda os carnavais de clube. Na rua, blocos como o do Barão e o Jacú eram os
donos da festa. Saíamos no Jacú, capitaneado por Waltinho Queiroz. Lembro-me
bem que, surpreso, vi, no meio do furdunço, a viúva de um general da mais alta
cúpula da repressão ditatorial se acabando em companhia da transformista
Valéria, então, no auge da beleza. E o povo gritava “Há jacú no pau, há jacú no
pau! Antes mesmo de virar moda, já estávamos no carnaval de rua, na Praça
Castro Alves, onde tudo acontecia: Dodô e Osmar voltavam às ruas, os Filhos de
Gandhi se fortaleciam com o apoio de Gilberto Gil e nós enlouquecíamos o dia
todo com nossos amigos. Chegar à Praça era uma aventura quando, no sentido
contrário, vinham os Apaches do Tororó batendo suas machadinhas. O negócio era
sair da frente e segurar a onda do jeito que fosse possível. Eu tinha uma
bermuda, conhecida como apartamento, cheia de bolsos em que levava todo o tipo
de “carregamento”. Claro que tinha também engov e primeiros socorros imediatos,
mas o forte mesmo era “combustível” para a festa. Moraes Moreira fantasiado de
grega, um homem aranha se esfregando na lama, choque em poste de rua, gente
famosa e anônima na maior confraternização, uma alegria sem par. Foi neste
ambiente, subindo e descendo ladeira no caminhão elétrico que comecei a estudar
o fenômeno do Trio Elétrico. No início da década seguinte virou dissertação de
mestrado e, em 1982, foi publicada pela Corrupio na coleção Baianada, sob o
título de “O país do carnaval elétrico”, tornando-se uma referência para os
estudos carnavalescos baianos. (Fred Góes).
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Encontro dos trios Saborosa e Caetanave. Foto de... (quem arrisca uma ajuda?) |
DO
MANDACARU
Em Busca Vida, em uma
das inúmeras festas do verão, enlouquecidos de alegria, minha prima se abraçou
com um mandacaru e virou um porco espinho. (Graça Coutinho).
nos anos 60 e 70 eu, meus primos e amigos tinhamos um camarote especial e um lugar para dá um bode que era a loja de móveis do meu avô na Av. 7 "Casa Grimaldi" de onde tinhamos uma visão privilegiada da Pça Castro Alves.
ResponderExcluirmaravilha !!!
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