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Primeira página da reportagem na extinta revista "O Cruzeiro" - pesquisa Jorginho Ramos |
Anos 70
Bahia – Episódio 12
O clima de fervura reinava nos shows
da Concha Acústica, sempre com intensa participação da plateia. Deu-se lá, além
do episódio entre os Novos Baianos e o performer argentino Fernando Noy
(relatada no Episódio 2), a explosão de Caetano Veloso ante uma Concha lotada e
impaciente com problemas do som e com a performance do astro cantando músicas
de Araçá Azul, seu disco mais experimental – e que teve talvez o maior índice
de devolução em toda a história da MPB. Irritado com os apupos, Caetano joga o
microfone no chão, manda todo mundo para a “puta que pariu” e libera o famoso
“vá tomar no cu”. Com o tempo, ficaram essas duas versões: a Concha se dividiu,
com metade aplaudindo o artista e a outra metade vaiando-o estrepitosamente.
Convocada, a guarda dos bons costumes da "nobre família baiana" levou
o bardo para prestar esclarecimentos na delegacia. O público, dividido, fazia o
maior barulho e a balbúrdia tomou conta das escadarias da Concha.
ROBERTO VIEIRA – Eu vaiei porque ele
não tinha o direito de mandar todos, inclusive a mim, que não gostei de tomar
no cu. Ele, mesmo sendo vaiado, tinha que ter continuado o show até o fim, pois
foi muito bem pago pra isso.
JOÃO OSMÁRIO – Que bobagem... Caetano
fez muito bem. Já você, também fez o que quis... e como nunca gostou de... não
fez o que Caetano aconselhou. Tudo certo e quites. Não consigo enxergar você
vaiando um artista. Acho deselegante e não combina com você... viu, Robertinho?
Saudades.
CAÓ CRUZ ALVES – Eu estava lá, ele
mandou todos pra pqp!
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Foto: acervo Estúdio Lambe Lambe (Marcos Maciel) |
JANETE CATARINO – A vaia deve ter sido para o policial que o prendeu. Nem mesmo com toda DITAdura isso deveria acontecer, ser levado preso por mandar ir ppqp ou tnc? Fala sério! Uma pena que ele fez diretamente e não fez performance. Acho ótimo mandar alguém ou todos à origem das suas existências! Totalmente d+!
Marco Antonio Queiroz – Acompanhei tudo
até a delegacia. Coisas da Concha.
Artur Carmel – A Bahia ainda
não tinha estofo para assistir/ouvir Araçá Azul. Nem um bom som, também.
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Foto: acervo Estúdio Lambe Lambe (Marcos Maciel) |
ANOS SETENTA BAHIA – O relato precioso e elucidante com que o jornalista Jorge Ramos nos brindou é indispensável para o perfeito entendimento da ocorrência. Nas palavras de Jorginho:
JORGINHO RAMOS – O DIA EM QUE CAETANO
VELOSO SAIU DIRETO DO SHOW NA CONCHA ACÚSTICA PARA UMA DELEGACIA
Novembro, 1973 – Estudante da Escola
Técnica Federal da Bahia, economizei durante quase dois meses o dinheiro da
mesada e da passagem do ônibus (naquele tempo não havia meia-passagem para
estudantes e nem Smart Card) e durante esse período fui a pé de casa à escola,
o que me permitiu juntar o suficiente para comprar o ingresso do esperadíssimo
show que Caetano Veloso faria na Concha Acústica, no sábado (23). Eu tinha
vindo de Cachoeira, dois anos antes, para morar em Salvador e aquela seria a
primeira vez que iria à Concha.
Cae, como era chamado à época, vinha
fazendo esse mesmo show em diversas capitais, sempre com grande afluência de
público e bastante elogiado pela crítica. Salvador seria o “gran finale”.
Afinal, após ter voltado do exílio em Londres, entre julho de 69 e janeiro de
71, ele só tinha se apresentado em Salvador no ano anterior, no legendário show
“Chico & Caetano”, no Teatro Castro Alves. A expectativa, portanto, era
imensa e naqueles dias só se falava nessa apresentação. A fila para comprar o
ingresso dobrou quarteirões. Perdi um dia inteiro e fiquei sem almoçar, mas
garanti o bilhete. Antes, a produção quis pautar a apresentação para o TCA –
que Caetano vetou, alegando ser muito “luxuoso” – ou para o Vila Velha, mas ele
impôs: tinha de ser na Concha Acústica a sua última apresentação do ano. E,
ainda, mandou vir de Santo Amaro os seus pais, Dona Canô e seu Zezinho, para
assisti-lo. O show seria à noite, mas desde o finzinho da tarde o movimento já
era intenso nas imediações da Concha, que, tão logo foi aberta, começou a
lotar.
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Caetano depondo, sob o olhar desolado de seu pai. Mais atrás, a esposa Dedé. Pesquisa Jorginho Ramos |
O atraso de meia-hora impacientou o público, que logo se acalmou quando, às 21h30, Caetano adentrou o palco, de camisa branca, desabotoada e esvoaçante, calça colorida e descalço. O público vibrou, todos se levantaram e o aplaudiram de pé, entre gritos e assovios. Nas primeiras músicas, tudo calmo, as pessoas vibravam. Mas na quarta canção começaram os problemas com o som e algumas pessoas se impacientaram. Caetano pede desculpas e puxa um sucesso que os baianos já conheciam: “Cada Macaco no seu Galho”, do amigo Riachão. Nessa hora, Caetano põe as mãos na cintura e começa a requebrar. Começam assovios, vaias e a reação das pessoas logo evolui para ofensas. Alguns gritam “viado”, “bicha”, “entendido”. O clima fica tenso, mas Caetano prossegue e quando começa a cantar “A Volta da Asa Branca”, de Luiz Gonzaga, novamente acontecem problemas com o som. E em meio à mistura do irritante som da microfonia com a vaia ensurdecedora, novos xingamentos. Bastante irritado, Caetano “roda a baiana”, responde aos xingamentos com ofensas, atira o microfone ao chão e sai correndo para o camarim. Um providencial cordão de isolamento com soldados da PM evita que algumas pessoas ensandecidas invadam o palco, quebrem os instrumentos ou até mesmo tentem linchá-lo.
Mesmo com a suspensão, muita gente
permanece nas arquibancadas atirando objetos no palco vazio e começa a gritar
pedindo o dinheiro de volta. Confusão formada, Caetano é levado pelos policiais
para a Delegacia de Jogos e Costumes, onde iria prestar depoimento no inquérito
a ser aberto. A direção do TCA se faz presente e anuncia que a renda ficaria
retida até que a Justiça se pronunciasse. Na delegacia, uma dezena de pessoas
assiste ao depoimento do artista; entre elas, um desolado seu Zezinho, uma
sempre serena dona Canô e uma agitada Dedé Veloso. Do lado de fora, alguns fãs
mais fiéis e solidários aguardam e o aplaudem quando Caetano é liberado, já na
madrugada do domingo.
À tarde, já refeito após horas de
sono e do descanso da noite e madrugada agitadas, Caetano recebeu alguns
jornalistas em sua casa, em Ondina. Ele explicou o incidente e admitiu: “Errei
sim. Eu não devia dizer palavras tão grosseiras em público”. Mas também tentou
justificar-se: “Eu não sou moralista, mas acho que no meu xingamento ao público
não existiu nenhuma obscenidade. Ninguém é ingênuo de chocar-se com o que eu
disse num momento de emoção. Quando apresentei este mesmo show em Goiânia,
muitas pessoas gritaram, latiam... mas eu não me abalei. Aqui era diferente,
estava na minha terra, com minha família presente, era uma coisa muito
próxima”.
O fato foi
bastante comentado em toda Salvador, naqueles dias que antecederam o verão de
73/74. Mas logo foi superado e, em janeiro, ele fez um novo show em Salvador,
dessa vez sem nenhum incidente, no Teatro Vila Velha, com Gilberto Gil e Gal
Costa. Este espetáculo resultou no álbum “Temporada de Verão – Ao Vivo na
Bahia”. E no mês seguinte Caetano e o público baiano fizeram as pazes de vez.
Era Carnaval e ele lançou “Frevo do Trio Elétrico” e todos cantaram “Abram alas
minha gente/que o frevo vai passar/é o famoso trio/de Dodô e Osmar/Quando sai
às ruas/Alegria é geral/é quem mais anima nosso Carnaval...” Quando Caetano
subiu no trio de Dodô e Osmar para cantar, em plena Praça Castro Alves, ovação
e delírio geral! Eu, presente a esses dois momentos tão distintos, separados
apenas por dois meses, guardei-os indeléveis em minha memória e minha emoção!
eu estava nesse show. nessa época dona canô morava na Rua Francisco Ferraro, rua lateral ao colégio Central, no edifício era um ap por andar eles moravam no terceiro andar e minha avó Angelina Copelo Grimaldi no quarto. eu era moleque e ficava maravilhado de ver o movimento. eu tinha estudado com Irene na Escolinha Ana Nery na Saúde quando eu tinha 10 anos.
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