domingo, 5 de junho de 2016

ESCADARIA DO PECADO

Foto: acervo pessoal Fernando Noy

Anos 70 Bahia – Episódio 9


Os mais alucinantes e festejados desfiles de fantasias do Carnaval dos anos 70 aconteciam na celebrada “escadaria do pecado”, que dava acesso ao prédio feioso do Palácio dos Esportes, no coração da praça Castro Alves. Sobram recordações, faltam imagens. Nos baús de quem viveu e fotografou a contagiante loucura de tais momentos, devem dormir tesouros ávidos por ser desenterrados e postados nesta página...

Foto Antonio Neto

EDUARDO LOGULLO – Havia a ‘fechação’ das bichas. Exageradas, loucas, abusadas, subiam nas escadarias para desfiles absurdos: Marcos Rebu, Domingos Portella Lima, o argentino Fernando Noy (com a bunda inteira de fora, sua marca registrada), Makumba, Pedra, Jaiminho Urubulina e a inenarrável Peteleka. Esta última, mulher de verdade. Atores locais de teatro tornavam a mistura mais eclética, agrupando Nilda Spencer, Jurema Penna, Álvaro Guimarães, Helena Ignez, Sonia dos Humildes, Nonato Freire, Mario Gusmão, Sonia Dias, Gessy Gesse, Bemvindo Siqueira, João Augusto, Márcio Meirelles, Eugênia Millet, Jacques de Beauvoir, Teresa Sá, Eduardo Cabuz. Do povo de dança, Clyde Morgan, Laís Salgado Góes, Lia Robatto. Os paulistas José Possi Netto e a ainda atriz Zizi Possi faziam seu début no pedaço. Figuras de todos os naipes: Antônio Risério, Paulo César de Souza, Dourado, Heitor Reis, Zezeca Joplin e sua irmã, a fotógrafa Thereza Eugênia, Ieda Alves, Jorge Santori, Ney Galvão, Letícia Muhana, Armindo Bião, Luciano Diniz, Dicinho, Nando, Aninha Franco, Carlos Borges, Amilton Celestino, Luana de Noilles, Renatinho Gordo, Zulu. E até Cida Moreyra. Festa de arromba”. (Chuva, suor e cerveja – (http://tropicalia.com.br/leituras-comp…/chuva-suor-e-cerveja).

Foto Antonio Neto

FERNANDO NOY – Escadaria do pecado... lembro aquela primeira vez em que saí somente com uma concha do mar atada com tranças tapando meu sexo, e o bumbum com uma cortina de babados que, ao descer, caiu no embalo... houve um grande silêncio... eu pouco entendia português e, de pronto, a multidão gritava “barato, barato, barato!” Tratei de regressar, virando sem nem sequer saber que estava de bunda fora, quando uma bicha divina que falava espanhol me esclareceu que “barato”, em português, queria dizer o contrário do nosso idioma. Ali recuperei o folego... e continuei descendo aquela a escada... ao final havia um grupo de policiais me esperando para me levar até ali perto, na Barroquinha, onde estava a delegacia... lembro que, antes de sair e para dar maior esplendor a cena, simulei desmaiar-me e eles me portavam como uma alfombra humana, que nem Cleópatra... fui detida e pensava: “Que horror, acabei de chegar ao Paraíso e agora vou ser deportada! Mas nada disso... 15 eternos minutos depois, chegaram para me buscar, já que o povo reclamava “a bicha argentina”. O delegado resolveu que me deixaria sair se eu botasse uma saia que nem sei de onde apareceu... ao regressar, compreendi que, desde esse momento, minha alma seria para sempre baiana... saravá, Marquinhos Rebu – e com ele tod@s os celebrantes daquele paraíso na Terra... axééééé!!!

Foto Antonio Neto
SÉRGIO SIQUEIRA – É vero! Fernando Noy foi carregado nu até a delegacia da Barroquinha, acompanhado por uma imensa fauna carnavalesca, misturada aos policiais e gritando “solta! Solta! Solta!” Na delegacia, negociação vai, negociação vem e o delegado resolveu liberar o prisioneiro, desde que ele se vestisse. Do nada pintou uma saia, que lhe coube com perfeição e todos voltaram loucos para a Praça, começando tudo de novo.

Foto Antonio Neto

Mara Mar – E a praça era enfeitada de caretas, desfiles das bichas lindas e muitos confetes e serpentinas; vivi, desci escadas, bebi nos bares da Ladeira da Montanha (onde nem podemos mais passar!). Hoje, a praça não é mais nossa.

Regina Soares – Por que parou? Parou por quê???

Eurico de Jesus – Ilustra muito bem como era a catarse coletiva que tive a felicidade de conhecer/viver. A Praça Castro Alves era a capital mundial do hedonismo. Evoé, Momo!

Dulce Maria Ferrero – Zulu Araújo, vc é citado!

Virginia Oliveira – Bateu uma saudade danada!

Foto Antonio Neto

Jose Jesus Barreto – Alô jovens! Leiam, isso é (foi) real. Em plena ditadura, anos de chumbo! Assim fazíamos cultura. Criávamos. Construímos o carnaval baiano. Na Praça acontecia de tudo. Éramos uns loucos libertários... em nome da beleza e do prazer da vida, tão somente.

Mario Peixoto – Nessa escadaria certa vez levei um primo em segundo grau com sua filha adolescente. Ele chamava-se Nicolau Bina Machado e, quando o apresentei ao grupo no qual se encontrava Sergio Siqueira, o fiz dizendo se tratar do General Bina Machado. Ato contínuo, Sérgio prontamente anunciou aos demais, aos berros: "Pessoal, limpeza total, estamos com o general!" Isso em plena ditadura militar, causou grande repercussão e fez com que meu primo, rapidamente, se evadisse da escada com a filha.

Foto Antonio Neto

Fernando Noy – Sueli Ribeiro Ribeiro me lembrou, outro dia, que a galera gritava "Soltem a loura!" Em verdade, meus cavelos estavam destingidos pelo sol e eram longos. Lembro também de Nilda Spencer com a piteira e suas amigas Regi Catarinho e Teresa Sá, junto à itapariquenha Laodiceia de Albulquerque, Petúnia e Marquinhos Maciel, Marilia Moraes e Dedé Gadelha entrando no embalo do trio elétrico, ante um Cateano com Moreninho nos braços. Lembro do "yeiro da lolo", do xarope Romilar, dos mis diferentes LSDs, da Sônia Braga, de William Summer, Luciano Diniz, Yumara Rodrigues, Marquinhos Rebu, Diogenes Rebouças, Michel, Marcos e Vera Queiroz, Gilberto Gil com Sandra Gadelha, muitos que eu ainda não conhecia mas lotavam a escadaria. Turistas de todo o mundo e o escritor gaúcho Fernando Caio Abreu, que me comentava rindo: "Você inventou o colaless". Em outro carnaval, que Fernando Coelho e Tatti Moreno ganharam a decoração das ruas, me construíram uma espécie de trono dentro da maquete que, depois, foi real e eu utilizei dançando em cima e jogando quilos de purpurina que me haviam deixado, como luminosos projéteis. Também armaram uma passarela de vinte metros que, na primeria noite, caiu pelo embalo da alegria e o êxtase total... Nelson Varon Cadena publicou uma foto dessa noite no livro que me enviou tão gentilmente – podem consultar as imagens, já que Bahia Anos Setenta vai ser uma antologia do desbunde, prazer, liberdade. O saxofonista argentino Leandro Gatto Barbieri, que estava num deles, comparou a Bahia com Roma Negra. Foi e voltará a ser nestas páginas um oásis inesquecível. "Eu sou a filha da Chiquita bacana / não caio em cana...”. "Não se grile, a Rua Chile está botando pra quebrar". "O carnaval é invençao do Diabo / que Deus abençoou." Sigamos dançando simmmmmm!!!

Foto: arquivo pessoal Fernando Noy

Anos Setenta Bahia – Maravilhoso e purpuríneo depoimento, Fernando Noy! Dando brilho e ludicidade a Anos Setenta Bahia. Muchas gracias!!

Sueli Ribeiro Ribeiro – Vc é show.

Fernando Noy – todos nós... temos que contar sobre a Praia dos Artistas, na saida de sua casa na Boca do Rio... abrazos y mil besos, Sueli... te quiero!!!

Na barraca do Aloísio Sky, Praia dos Artistas

Eurico de Jesus – Sim, a praia da Boca do Rio, que um tempo depois passou a se chamar Praia dos Artistas. Sue Ribeiro, João Del Águila, Zizi Possi, Possi Neto, Jota Cunha, Babalu, Apolo, Moaba, Fafá Leonardo, Aloízio "Yellow Sky", Antonio Risério, Sandra Gadelha, Gilberto Gil, a turma da banda musical Sexteto do Beco, Capenga do Grupo Bendegó, Ticão da Escola de Teatro, os bailarinos dos Frutos Tropicais, o professor de balé e coreógrafo Carlos Moraes, Tereza Oliveira, Diógenes Moura, a barraca de Carlos, os músicos da banda Reflexus, Gilson Rodrigues, Vanya King, Marcos King, Lina King, Beg Figueiredo, Keka Almeida, Giovanni Luquini, Ary da Mata, Helder Barbosa, Era Encarnação, César Romero, Arthur Carmel, Jorge Alfredo, Jorge Papapá, Leguelé, Theodomiro Queiroz...a lista é muito grande e chega até aonde minha memória alcança!

Fernando Noy – Que fantástico... Obrigado, Eurico... Também Carlos Bastos, Luís Melodia, Guido Lima, Mario Cravo Neto, Ângela Cunha, Paulo Barata, Edgard Navarro... que além disso eram vizinhos da Boca de Rio... ainda temos mais... seguro... Beijos mil!

Eurico de Jesus – Beth Muhana, Guilherme Maia, eu, Pedro Gil (jogava voleibol com a gente), Carlinhos Cor das Águas, Marron (repórter), Zulu Araújo, Pola Ribeiro, Rogério Menezes (repórter) e Galvão, dos Novos Baianos, fazendo campanha para vereador cujo lema era: "Vote em Galvão e libere o morrão"...



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