Anos 70 Bahia – Episódio
10
(Fotos: Copyright Mick Jagger | Getty Images)
Mick Jagger veio a
Arembepe pouco depois do tumultuado megashow de Altamont, na Califórnia, o
oposto baixo-astral da beleza de Woodstock. Chegou (...) e se instalou numa
casa da duna, centenas de metros adiante da aldeia. Foi à Inglaterra e voltou
duas ou três vezes. Trouxe mulher, homem e tudo o que precisava. Vinham de
jipe, que anda facilmente por cima da duna, e ignoravam solenemente não só o pessoal de
Arembepe, como a Aldeia e os malucos. Chegavam e saíam fazendo esporro,
acelerando na duna e tirando onda de porretas. Nunca apareceram na Aldeia e, se
tomaram banho de rio, foi abaixo do melhor lugar, onde todo mundo vai. Não deu
outra: também foram ignorados não só pelos nativos, que não faziam ideia de
quem se tratava, como pelos cabeludos e peladas da Aldeia, que souberam manter
sua dignidade e passando para a praia sem nem olhar para lá, apesar de algumas
meninas mais esquentadas ficarem molhadinhas de vontade. Mas como dava para
sentir o baixo-astral até de longe, resistiram bravamente. (Beto Hoisel: Naquele tempo em Arembepe, pg. 77).
SÉRGIO SIQUEIRA – A casa
do sol, um dos símbolos de Arembepe dos anos 70, foi comprada por Mick Jagger e
Keith Richards, que fizeram um reveillon fantástico por lá. Quem relata é Luis
Henrique: “Eles compraram uma cabana e denominaram casa do sol”. O Afonsinho
Barachisio estava com eles e me contou os detalhes: “Keith Richards e Mick
Jagger estiveram em salvador em 66/67 e vieram acompanhados por Anita
Pallenberg e Marianne Faithfull e ficaram numa cabana perto de onde é hoje o
hotel Catussaba”, diz Marco Antônio Queiroz. Claudio Portugal fala que o sitio
era da família Bartilotti e Miguelzinho é que emprestou a casa.
SILVIO
PALMEIRA – Vamos aos fatos sobre a folclórica “casa
do sol nascente”.
Na realidade a casa tinha um dono, que foi um dos primeiros veranistas de Arembepe, nos idos de 1963. Reinaldo "Ivo" Fernandes e sua esposa dona Dedé eram os donos fábrica, da máquina de ralar coco, o “Rale Raf”, e a casa foi construída nos anos de 64/65.
Na época ele e família precisavam atravessar o rio Joanes de balsa para chegar a Arembepe, e precisavam usar mulas, pois tinham que passar por dentro da lagoa para chegar ao povoado, quando começou a construção da Tibras em 1969.
Ivo veraneava numa casa em frente ao cruzeiro da igreja, perto da casa de dona Coló. Na época, Arembepe não tinha abastecimento de água potável e todos precisavam tomar banho e abastecer suas casas com água do Rio Jacuipe, aonde ele ia todos os dias com toda a família, quando ele iniciou a construção da casa. Nos idos de 69 eu comecei a frequentar Arembepe com eles, pois namorava a filha dele, Kátia, com quem me casei em 1970 e com quem tive a minha primeira filha Christ’Anny.
Voltando à casa, Ivo a construiu para seu descanso e dos seus familiares, porém, com a distância que tinha que ser percorrida, às vezes à noite, era perigosa e deserta, ele não ficava constantemente lá e mantinha a casa do centro de Arembepe. Em 1967, ele emprestou a casa para Juca Rebele (aquele que achou um navio naufragado na Pituba), que passou por lá uma boa temporada. E por muita pressão da Marinha teve que abandonar a casa, porque estava construída em área não permitida. Até que algumas pessoas passaram a habitar a casa. Quando eu a conheci, em 1969, ela já era abandonada, tinham roubado a bomba d’água, parte das instalações, partes do telhado. Ele contava que, anos antes, uns gringos chegaram e habitaram a casa sem o seu consentimento. Tempos depois, vim a saber que era Mick e Keith. Ele sequer sabia quem era os tais gringos. Quem indicou ou mesmo liberou a casa para eles passarem uma temporada nunca foi do conhecimento de Ivo, até que, por força do processo da Marinha, ele demoliu a casa por completo. Tempos depois é que houve a invasão pelos hippies na Aldeia, quando passaram a chamá-la de ‘casa do sol nascente’. Missival, Paulo Setubal, Candido, Cabral e outros chegaram a Arembepe no inicio dos anos 70, Manu chegou tempo depois. Ai já é outra historia!
Na realidade a casa tinha um dono, que foi um dos primeiros veranistas de Arembepe, nos idos de 1963. Reinaldo "Ivo" Fernandes e sua esposa dona Dedé eram os donos fábrica, da máquina de ralar coco, o “Rale Raf”, e a casa foi construída nos anos de 64/65.
Na época ele e família precisavam atravessar o rio Joanes de balsa para chegar a Arembepe, e precisavam usar mulas, pois tinham que passar por dentro da lagoa para chegar ao povoado, quando começou a construção da Tibras em 1969.
Ivo veraneava numa casa em frente ao cruzeiro da igreja, perto da casa de dona Coló. Na época, Arembepe não tinha abastecimento de água potável e todos precisavam tomar banho e abastecer suas casas com água do Rio Jacuipe, aonde ele ia todos os dias com toda a família, quando ele iniciou a construção da casa. Nos idos de 69 eu comecei a frequentar Arembepe com eles, pois namorava a filha dele, Kátia, com quem me casei em 1970 e com quem tive a minha primeira filha Christ’Anny.
Voltando à casa, Ivo a construiu para seu descanso e dos seus familiares, porém, com a distância que tinha que ser percorrida, às vezes à noite, era perigosa e deserta, ele não ficava constantemente lá e mantinha a casa do centro de Arembepe. Em 1967, ele emprestou a casa para Juca Rebele (aquele que achou um navio naufragado na Pituba), que passou por lá uma boa temporada. E por muita pressão da Marinha teve que abandonar a casa, porque estava construída em área não permitida. Até que algumas pessoas passaram a habitar a casa. Quando eu a conheci, em 1969, ela já era abandonada, tinham roubado a bomba d’água, parte das instalações, partes do telhado. Ele contava que, anos antes, uns gringos chegaram e habitaram a casa sem o seu consentimento. Tempos depois, vim a saber que era Mick e Keith. Ele sequer sabia quem era os tais gringos. Quem indicou ou mesmo liberou a casa para eles passarem uma temporada nunca foi do conhecimento de Ivo, até que, por força do processo da Marinha, ele demoliu a casa por completo. Tempos depois é que houve a invasão pelos hippies na Aldeia, quando passaram a chamá-la de ‘casa do sol nascente’. Missival, Paulo Setubal, Candido, Cabral e outros chegaram a Arembepe no inicio dos anos 70, Manu chegou tempo depois. Ai já é outra historia!
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British musician Mick Jagger sleeps in a hammock on the porch of a beach house, Bahia, Brazil, early 1968. Copyright Mick Jagger | Getty Image |
LULA AFONSO – Além de
Janis Joplin, que mergulhou de cabeça e de corpo, outros astros interagiram com
a comunidade da aldeia hippie e da vila de Arembepe. No relato de Beto Hoisel
(pg. 79), o cineasta Roman Polanski insistiu em esperar sua vez, em meio aos
nativos, na fila do cineminha do Lúcio, em Arembepe (dois espectadores a cada
sessão de dez minutos), quando alguém propôs que o passassem à frente. Mais
tarde, comentou que gostou muito, que “as pessoas ficavam felizes com o que
viam e isso era muito bom. Falou também que o cineminha era um tema
interessante para ser aproveitado num filme de verdade, ao estilo de Fellini.”
Mas ele ficou pouco tempo e foi-se embora com o séquito. No entender de Hoisel,
não deu para ele sentir direito Arembepe. Outro que curtiu todas foi Tim Maia,
que, solto na aldeia e cercado de menininhas, ajudou o biriteiro Paulo Pedro a
consumir algumas das 156 garrafas da cachaça Saborosa pelas quais trocou sua
kombi velha. Reza a lenda que Paulo Pedro entornou o estoque num período de
poucos meses... (pg. 112).
Gustavo Augusto – Entramos para assistir o filme, que era de slides projetados de
pinturas do português: eu, Polansky, Jack Nicholson, Dennis Hopper, Rute
Mautner, Jessel Buss, Yoya Wurch, astróloga Maha e Gerard Lecrerry. O filme era
projetado com a luz do sol e movido por um jogo de cristais e água. Ao contrário
dos outros o Polanski era muito calado e, ao terminar o filme, sua exclamação
foi “Terrific!”
Anos Setenta
Bahia – Importante depoimento
do Gustavo Augusto. Uma plateia desse quilate, provavelmente
poucos cinemas no mundo tiveram em projeção normal... Da presença de Jack
Nicholson em Arembepe, muito se ouviu falar. Da de Denis Hopper, nem tanto... A
descrição do aparato do "cinema" do Lúcio bate perfeitamente com a de
Beto Hoisel em seu livro Naquele tempo em
Arembepe.
Gustavo Augusto – Para refrescar minha memória: nesse dia não havia fila para o
filme. Não havia filas em Arembepe, raramente poderia ter para pegar a kombi e,
pelo que recordo, o português que pintou os 12 apóstolos projetados no
filme chamava-se Amaro, que me deu um livro de Alice no país das maravilhas, com ilustrações do original. E havia
outro, chamado Cândido (...). Na realidade, não estou certo se o nome era Amaro
ou Cândido. Não me lembro do Lúcio. Polanski, Jack e grupo chegaram numa kombi
do governo da Bahia, convidados do ACM, que estava remodelando Salvador.
ANOS SETENTA BAHIA – Beto Hoisel, que morou na Aldeia Hippie e escreveu
o livro Naquele tempo em Arembepe,
andou adoentado e atualmente encontra-se em recuperação (maio/2016). Contamos
com o aporte neste espaço, em breve, das palavras de Hoisel sobre os
comentários de Gustavo Augusto.
Dulce Maria Ferrero – Não esquecer que a mulher de Jagger que está na foto é Marianne
Faithfull, uma cantora fantástica!
Vera Monteiro – Eu fiquei um mês de férias na
aldeia. A casa era uma palhoça mesmo. Banho era no rio, onde escovávamos os dentes
e lavávamos louça e roupa. O mar era do outro lado das dunas. A privada, nem te
conto: era nos matinhos. A iluminação "urbana" ficava por conta da
lua ou de alguma fogueira, acesa por grupos de hippies. Foi um barato!
Sasha Cavalcante – Em fevereiro de 1979 eu e a
Lalu chegávamos a Arembepe, depois de 3.000 km percorridos de carona.
Vera Monteiro – Eu fui de avião, depois peguei
ônibus pra Arembepe e, pasmem, fui até a aldeia montada num jegue. O meu irmão,
que morava lá, foi a pé mesmo. Estava acostumado.
Luiz Henrique
Franco Timoteo – A melhor personalidade que
passou por Arembepe foi Pink Wayner, filha de Danuza Leão, o resto foi só pleonasmos
e muitas historinhas. Em 1967 fui com Marcelo Guerreiro, que morava no Corredor
da Vitória, irmão do saudoso Serginho. Andamos pelas dunas para fumar um
baseado e avistamos o povão dos Rolling Stones. Mick só tinha boca e Richards
nariz! Todos muitos quietos. E até hoje não sei por que eles vieram parar aqui!
Dizem que foi um antigo beatnik inglês, que passou aqui nos anos 60, que deu a
dica para eles sobre o “paraíso baiano”, que finou-se nos anos 70 com a
instalação da fábrica, a Tibrás! E até hoje é extremamente arriscado tomar
banho por lá, pois o efeito do titânio é devastador, muitos hippies perderam os
longos cabelos!
LULA AFONSO – A poluição da Tibrás na região foi denunciada
inicialmente pelo artista plástico argentino Carybé, que tinha casa no
condomínio Interlagos e viu de perto o estrago do criminoso empreendimento sobre o santuário ambiental. Com
o correr dos anos e sob pressão da sociedade, moradores, órgãos ambientais e
formadores de opinião, equipamentos de filtragem foram instalados e os rejeitos
de óxido de titânio passaram a ser lançados em alto-mar – ao menos isso foi anunciado. A fábrica
mudou de nome e plantou um arvoredo que oculta a fachada, mas as chaminés continuam a expelir a malfadada fumaça amarela. Os resultados das
medições têm sido controversos e, nas décadas recentes, Arembepe tem “inchado”
com novos tipos de ocupação e urbanização de gosto duvidoso. Um inconfundível ar de subúrbio metropolitano desafia as belezas naturais e alguns points charmosos resistem bravamente, como os
restaurantes Mar Aberto e Coló. A Aldeia Hippie tornou-se uma caricatura de si própria, invasões avançam sobre as lagoas e o
rio Capivara (Caratingui) continua banhando corpos e astrais (agora diferentes), enquanto escasseiam os
altos e esguios coqueiros sobre as dunas.
Vivi alguns anos de chumbo por lá, como hippie, para sair das vistas do Exército, pois deixara a carreira militar para ser universitário, coisa imperdoável para o comando.
ResponderExcluir- "Ou se é militar ou é estudante"- disse-me o comandante
- Quero continuar sendo os dois.
- Não é possível.
- Então quero sair para ser estudante.
- Certo, quando cumprir o tempo de cadeia.
Foi assim a minha despedida da carreira militar (já era cabo). Então passei em Geologia (69) e em 70, com receio de ser perseguido, deixei tudo e fui me esconder em Arembepe. Quando as coisas se acalmaram fiz outra graduação e, entre idas e vindas, nunca deixei da visita-la. Hoje, 71 anos, qual elefante, vou indo vagarosamente para o local do meu ocaso, lá, junto à Aldeia dos Hippies, onde já até construí um pequeno refúgio.
Na minha convivência com Arembepe (Zara, para os íntimos), vi Janis Joplin seminua na praia, Polanski, Mick e Richard (Stones) ao longe (eles não se misturavam, nem os nativos o adoravam). Fiz muitas pulseiras com fio de cobre para comprar comida e pernoitei por várias vezes na aldeia de hippie.
Mas o que mais me entristece hoje, que moro mais lá do que na capital, é ver aquele santuário sendo degradado a cada dia que passa. São tantas invasões e construções irregulares sem ao menos uma providência por parte das autoridades.
Triste, muito triste...
E agora, voltando para ficar, compus uma canção cuja letra é a seguinte:
..........
AREMBEPE
O seu cheiro de alecrim
Que me dá tanta saudade
Só me traz felicidade
E o que há de bom em mim
O luar daquela aldeia
Mais bonito nunca vi
Mesmo que você não creia
Mas eu nunca esqueci
....
Não precisa me lembrar
Eu voltei para ficar
Muito tempo se passou
Mas ainda nós nos vemos
Não importa o que ficou
E sim, o que ainda temos
...
Não precisa me lembrar
Eu voltei para ficar
...
tenho dito...