terça-feira, 31 de maio de 2016

MULHER DE VINICIUS ENCONTRA BABY NA BARROQUINHA

Foto do arquivo pessoal de Gessy Gesse
Anos 70 Bahia  Episódio 7



Depois que a atriz baiana Gessy Gesse trouxe Vinicius de Moraes para morar na Bahia, a casa que construíram em Itapuã tornou-se ponto de encontro de celebridades do calibre de Jorge Amado, Dorival Caymmi, João Gilberto, Gláuber Rocha, Carlos Bastos, Mário Cravo, Calazans Neto, Chico Buarque, Toquinho, Mercedes Soza e tantos outros que aqui chegavam ou aqui moravam. O magnetismo místico-cultural da Bahia foi guindado ao foco da mídia nacional, imortalizando Itapuã como "Principado livre e autônomo" e nicho artístico, com seu charme e beleza decantados em prosa e verso por um Vinicius que recobrara, na boa-terra, a plenitude da inspiração. 

Em seu livro de memórias lançado em 2013, “Minha vida com o poeta”, Gesse relata vários trechos ilustrativos das peripécias dos Anos Setenta. Um exemplo, na página 69: “Era o fino, na época, frequentar o lendário Anjo Azul, cuja latrina era um trono. O drinque mais apreciado era o Xixi de Anjo, e das paredes nos contemplavam as pinturas profanas e celestiais de Carlos Bastos. Frequentar o Anjo era definitivamente uma questão de status. E como na Bahia tudo é permitido – segundo Thiago de Mello, até caminhar pela tarde com uma imensa begônia na lapela –, tem uma figura desse folclore com quem me deparei um dia, na Barroquinha, com a saia enorme e rasgada e um retrovisor de fusca na testa. Ela me parou, pediu um cigarro e se transformou em... Baby Consuelo”.




GESSY GESSE – Vinicius nunca escondeu que foi João Gilberto quem o convenceu a cantar em shows e apresentações. Até então o poeta soltava a voz no máximo em meio a amigos. Mas sobre João, folclórico como ele só, não dá para esquecer o que aconteceu uma noite em Itapuã – foi em uma casa alugada, a nossa ainda não estava pronta. Eram umas duas da madrugada e estávamos na mesa, tomando um uisquinho, quando ouvimos uma voz estranhíssima do lado de fora, parecia coisa do além. Falei para Vinicius: “Tem alguém aí!” Corremos para ver o que era e encontramos João Gilberto meio atravessado, preso no portão. Ele havia descoberto onde estávamos e resolveu nos procurar àquela hora, tentou pular o muro e não deu, acabou enganchado no portão e ficou lá gritando “Vininha!” Vinicius se aproximou e exclamou, surpreso: 
– Ora, mas é Joãozinho! Entre, João!
Ajudamos João Gilberto a se soltar do portão, ele entrou e o papo durou até o dia amanhecer. ("Minha vida com o poeta", pg. 199).
LULA AFONSO – Gesse atraiu para a Bahia o ícone da música e da poesia na época, para desconforto e ciúmes de muita gente nas bandas do Rio e até na capital paulista, por ele denominada, numa bebedeira, "o túmulo do samba", seguido dos diplomáticos pedidos de desculpas às pulsantes entidades da vida cultural de Sampa. Disseram que o poeta foi enfeitiçado pelas entidades do candomblé, o que era a mais pura verdade: o encantamento com a musa Gesse se estendeu a Mãe Menininha, Olga de Alaketu e luminares como Jorge, Dorival, João Gilberto, Camafeu de Oxossi e outros ogãs e estrelas da constelação baiana. Vinicius viveu e cantou a força da nossa cultura afro-matriarcal, inspiradora dos afrossambas com o também imortal Baden Powell. Um pouco mais tarde pintaram no proscênio Caetano, Gil, Gal, Betânia, Capinam, Novos Baianos, Raul Seixas, Armandinho e tantos outros que universalizaram a força dessa mesma cultura de raiz, traduzidas pelos pincéis e lentes de Carybé e Pierre Verger.
O 'casamento cigano' de Vinicius e Gesse deu o que falar no Rio e São Paulo. Os padrinhos Calasans Neto e Auta Rosa de um lado, Zélia Gattai e Jorge Amado do outro. Foto do arquivo pessoal de Gessy Gesse.

FERNANDO NOY – Gessy encantadora... Eu cheguei na Bahia por causa de Vinicius. Aqui [Buenos Aires], a barra estava ficando muito brava e tinham assassinado um grupo de amigos na ditadura. Meu pai me disse para viajar para a França, onde morava minha bisavó Marie Neully de Picard. Mas, uma noite, Ginamaria Hidalgo, cantora alucinante argentina, me pediu acompanhá-la à embaixada para ver uma dupla: eram Vinicus e Toquinho... Quando cantaram "Você conhece a Bahia", eu perguntei aonde era... já sabia, minha voz alertava que esse era o lugar... estava lá uma amiga de Rogério Duarte, o grande Rogerio Duarte, que me deu o endereço de um sítio perto de onde morava Matilde Mattos, na Armação... Ali, então, uma noite cheguei e me ofereceram uma grande boas-vindas sem saberem quem eu era, nem nada disso. Fiquei alguns dias, até que parti para Arembepe, levado pelas mãos de Vera, Vera de Arembepe, celebridade daqueles tempos, dona de uma cabana branquíssima e depois.... o prazer infinito!!!
Gustavo Augusto – Grande Vera de Arembepe! Querida! Fiquei em sua casa com a inesquecível Mary Louca
Anos Setenta Bahia – Mary Louca... lembro desse nome, não consigo visualizar – memória 70 falhando... Gustavo, você tem grandes histórias – estamos fazendo um livro a 100 mãos – conte algumas!
Gustavo Augusto – Nesse último dia, eu e Mary não fomos a praça. Conhecemos uns paulistas no camping de Itapuã e estávamos há tantos dias sem dormir que apagamos sem querer na barraca deles. Acordamos de madrugada, com o movimento da Federal prendendo o Mariel Mariscot, que estava escondido numa barraca próxima. Corremos então para a Praça Castro Alves, para o fim da terça-feira gorda.
Raimundo Matos de Leão – O texto me fez lembrar de Álvaro Guimarães, diretor de "As Feras", texto de Vinicius de Moraes. Gessy Gesse estava no elenco, completado por Fernando Lona, Jurandir Ferreira, Armindo Bião, Mário Gadelha, Sonia dos Humildes e por mim. Trabalho corporal de Clyde Morgan. A encenação, com cenário de Calazans Neto, foi montada num barração que havia na rua dos Ingleses. Data: janeiro e fevereiro de 1974.
Artur Carmel – Foi em Itapuã, com Gessy Gessy, que Vinicius encontrou seu  'elo perdido'...
Araken Gomes E Silva – Charles Bukowski toma uma com Vinicius em Itapuã...


Foto: Araken Gomes e Silva

Anos Setenta Bahia – Imagino a história que deu essa conversa entre os dois... O Principado Livre e Autônomo de Itapuã tem muitas historias...


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