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Os Novos Baianos levaram para bordo a aparelhagem de som que traziam do Rio para os shows na Concha e inovaram o trio elétrico, adicionando à guitarra a voz dos cantores |
Anos 70 Bahia – Episódio 8
Aos pés do poeta dos
escravos esbaldava-se gente de todos os gêneros e bandeiras, ombro a ombro com
as celebridades, em êxtase coletivo. Na parte alta da Praça Castro Alves, junto
às escadarias, as bichas (como eram então chamados os gays) e transformistas
comandavam o espetáculo, exibindo-se com fantasias mirabolantes em luxo, fulgor
e criatividade. A ferveção e a pegação se alastravam em ondas em meio às
barracas de bebidas, diferenciadas em arranjos criativos da mais autêntica arte
popular. Antes da padronização asinina e do monopólio marqueteiro, nelas dava
para se encontrar a marca de cerveja preferida e a praça, regida pela
diversidade, era o ponto de encontro de todas as tribos, gêneros e tendências
da esbórnia momesca.
SÉRGIO SIQUEIRA – A Praça
fervia. Quando chegava Moraes Moreira, literalmente balançava o chão da praça.
No território livre do poeta tinha todo tipo de loucura e alegria. Certo ano,
houve um poste que dava choque e tinha gente que, malandramente, pegava nele e
“fazia terra” em você e era você que levava o choque. Naquela noite chovia, e a
praça era quase lama. Tinha um homem-aranha, não o aranha super-heroi, mas o
aranha bicho, que engatinhava correndo como uma aranha entre as barracas da
Praça. No fundo, ele pensava que era uma aranha.
EDUARDO LOGULLO – A praça
Castro Alves atraía um elenco inacreditável para a época. Gal vestida de
pierrô, Caetano de calção e camiseta, Dedé Veloso, Wilma Dias, Sandra Gadelha,
os Dzi Croquetes, Sônia Braga, Maria Bethânia sentada em um engradado de
cerveja, Torquato Neto, Jards Macalé, Wally Salomão, Jorge Mautner, Nelson
Jacobina, Jorge Salomão, Norma Bengell, Rogério Duarte, José Simão. Em 1974, a
cantora Maria Alcina apareceu por lá com uma lata cheia de lantejoulas para
brindar os amigos. (Colhido em "Chuva, suor e cerveja" –http://tropicalia.com.br/leituras-comp…/chuva-suor-e-cerveja).
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Com os pés na lama carnavalesca, o ícone fotográfico Mariozinho Cravo colhe imagens no coração da folia. Ao lado, o também fotógrafo Carlos Gordilho (foto Vicente Sampaio). |
PRABHU EDMILSON - Amigos,
o texto diz bem o que rolava no Carnaval daquele tempo ali na praça Castro
Alves. Era como se todos nós estivéssemos recebendo as bênçãos do poeta, que
fazia vistas grossas às nossas estrepolias. Essa turma se reunia lá, tomava
seus "gorós", ou outras coisas, o papo corria maneiro, e ninguém
mostrava frescura. As barracas ficavam esparramadas pela praça, o pessoal
sentava-se nas escadarias do velho prédio da antiga Seretaria da Fazenda, hoje,
Palácio dos Esportes, e o mijadouro era ali mesmo na muralha. Posso atestar
isso, porque trabalhava por essa época no jornal A Tarde, que ficava exatamente
na Praça Castro Alves. Fechada a redação, adivinha para onde íamos?
SÉRGIO SIQUEIRA – Os que
ficavam até o limite final, a última hora, eram presenteados pelo banho de
mangueira do caminhão-tanque da Prefeitura, que chegava na madruga para limpar
a praça. O banho acontecia entre gritos, pulos e refrões de sucesso cantados de
maneira pastosa. Num desses banhos, um folião só de cueca se jogava em direção
aos jatos de água e gritava repetidamente, como um mantra: “A praça é do povo
como o céu é do condor/a praça é do povo como o céu é do condor a praça é do
povo como o ceú é do condor...” O banho de mangueira era uma tradição para quem
ficava até o último acorde na Praça do Poeta, uma praça em que todo artista de
responsa gostaria de ter tocado para a galera, o próprio Moraes adorava e ele
mesmo fala isso no seu livro “Sonhos Elétricos”.
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Caetano, Osmar, Gil, Wally Salomão, Henning (foto acervo pessoal André Macedo). |
JORGINHO RAMOS – Me parece que a foto [acima] é dos anos 80. Em 85, Mário Kértesz foi eleito prefeito de Salvador e Wally Salomão foi nomeado presidente da Fundação Gregório de Mattos. Nesse cargo, coordenou o Carnaval de 86. Acho que a foto é desse ano.
MORAES MOREIRA – Avistar
aquela praça lotada era de arrepiar! Havia uma enorme expectativa no ar, e a
chegada do trio de Dodô e Osmar era o grande momento esperado. Quando o
caminhão despontava, a galera enlouquecia e uma vibração total tomava conta da
Praça: "E a Coisa Acesa ficava / Enquanto que a multidão / Fazia a grande
catarse / Cantando alegre refrão / E aí, haja coração! / Soltei meu grito de
guerra / Varre, varre vassourinha / As ruas da Bahia" (Moraes Moreira:
Sonhos Elétricos).
FERNANDO NOY – Muitos
carnavais depois, fui convocado pelos artistas plásticos Fernando Coelho e
Tatti Moreno a tomar parte do projeto que concorria ao concurso da decoração do
carnaval. Eles fizeram uma espécie de trono na maquete e me entregaram quilos
de purpurina... Daí vem a lenda de rainha, já esse foi o rol do projeto, que
acabou ganhando e pelo qual, além da honra, recebi um esplêndido cachê. Também
fizeram uma passarela que caiu logo na primeira noite, pelo embalo... Dancei
dois dias sem dormir, em êxtase perpétuo. Ainda bailo ao
lembrar...BSSSSSSSSSSSS!!!
ERA LACERDA ENCARNAÇÃO –
Fernando Noy, você é um espetáculo!!!
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Trio elétrico da Saborosa |
SÉRGIO SIQUEIRA – A última
atração da praça Castro Alves, já amanhecendo, era o carro-pipa. Os últimos
foliões bêbados pediam que apontassem a mangueira para eles, e em êxtase
recebiam aquele banho que curava a ressaca. Eva Fidelis, hoje morando na
Alemanha, definiu bem esse final de festa: “E as vassouras dos garis expulsavam
os retardatários, normalmente já tombados pelo chão”.
Mara Mar – Gente bonita, não
havia agressões, carnaval sem cordas, com os artistas misturados ao povo. Tempo
bom, que não volta mais.
Carollini Assis – Que delícia de
relatos...
Antonio Pastori – Como esse poeta
pode esquecer das primeiras transmissões ao vivo que fez na TV Itapoan, não nos
anos 70, mas nos 80 ainda carregando a cultura ímpar bem narrada pela rapaziada
aí do texto? Foram os últimos acordes de "histórias que não voltam
mais", trazendo um verso que aprecio do Roberto Mendes e do Portugal para
essa boa saudade que bateu agora.
Manfred Muss – Reparem nas caixas
de bebidas, eram garrafas de Antartica, Brahma e Coca-Cola no meio da
multidão... havia as baianas do acarajé que, quando a situaçao ficava crítica,
afastavam a galera com espirros de azeite de dendê fervendo... Cada barraca
era uma obra de arte, elas circulavam todas as festas de largo, uma
referencia de cada tribo... e o famoso estacionamento da Castro Alves... dizer
que ali tudo acontecia é pouco para defini-lo...
Mara Mar – E todos se
abraçavam na chuva, suor e cerveja. Antartica, Brahma, como falou Manfred Muss,
os pingos do azeite eram temidos. Beijos e abraços e amor no meio da multidão...
mortalhas molhadas de suor.
Edmilson Araujo – Sem falar que o
banheiro era o muro da Praça Castro Alves, onde o pessoal mijava à vontade!!!
Na hora das mulheres, se fazia uma rodinha para evitar os olhares dos
abelhudos!!! Êita tempinho bom!!!
Adma Newport – Grandes
carnavais...
Manfred Muss – Engraçado, vejo
sempre nos comentarios uma certa veia nostálgica... Afortunadamente, a vida
segue em frente e não para naquilo que vivemos... Existem os nossos filhos... e
eles amam isto que nós odiamos hoje, assim como nós amamos os Beatles e Rolling
Stones detestando, as músicas de nossos pais... A fila anda, quem viveu viveu,
quem curtiu curtiu... Eu "algumas vezes" curto o que está aí, não
estou morto nem acho que o "nosso tempo" foi o tempo bom...
Anos Setenta
Bahia –
Estamos buscando histórias de um tempo em que a Bahia era imaginário do mundo –
memória. As aventuras continuam, vemos que sim pelos seus passeios de
bicicleta...
Renato Dantas – As pegações da
galera eram homéricas...
Hugo Sánchez – Insuperável, era
tudo bom, fantástico, memorável, ainda me alimento dessas lembranças.
LULA AFONSO – Estacionei o
velho Passat na parte alta da Ladeira da Conceição da Praia, logo abaixo de uma
barraca de comida em um quina da Ladeira da Montanha, juntinho à praça do
poeta. Quando voltei da esbórnia, já com o dia claro, o carro estava uma gosma
só, encoberto de restos de iguarias baianas sobre ele atiradas na raspagem de
pratos no fundo da barraca, entre elas caruru e vatapá, sem contar os litros de
mijo jateados pelos foliões noite adentro, nas laterais e nos pneus. Para
conseguir dirigir, limpei como pude o parabrisas, com um resto de fantasia
largada na calçada, e fui levando em direção ao bairro da Federação, onde
morava. Na rua Carlos Gomes, na altura do Largo dos Aflitos, percebi a
salvação: um caminhão-pipa jateava as ruas com água e detergente. Parei, fiz
sinais para o motorista pela janela, ele compreendeu quando viu o estado do
carro. Fez de lá o sinal de positivo, fechei os vidros. O impacto do jato foi
forte, o carro chacoalhava e ribombava, pensei que ia virar – mas saiu dali
limpinho, exalando aquele perfume de desinfetante com altos teores... menos de
um mês depois, entendi melhor o poderio da química: a ferrugem invadiu a
lataria e o carro, em pouco tempo, soltava pedaços na rua...
Estou procurando o autor da foto do trilho elétrico com os Novos Baianos no começo desta materia. Se tiver por gentileza, me passe o contato do fotografo. Muito obrigado.
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